Tese para o XI Congresso dos Jornalistas de Minas Gerais
A defesa da profissão e o futuro do jornalismo no Brasil
Resumo: Esta tese defende o princípio de que o futuro do jornalismo no país vai depender do futuro dos jornalistas enquanto trabalhadores da notícia, ou seja, é da luta por condições de trabalho dignas que surgirá igualmente um jornalismo digno e esclarecedor.
I. Os jornalistas brasileiros não constituem exceção entre os trabalhadores de todo o mundo, vitimados pelo agravamento da opressão e exploração a partir do início da década de 80 do século passado, quando o capital adotou o caminho do modelo neoliberal para fazer frente à crise sistêmica que explodiu em meados da década anterior, cujas manifestações mais visíveis se expressaram em súbita e grave inflação dos preços do petróleo. Na realidade, vista de perto e no mais profundo de suas razões, a opção capitalista de intensificar a exploração não mais que repete a velha fórmula do sistema de jogar nas costas do trabalhador todo o custo das políticas de busca de recuperação das crises cíclicas do capital. A manifestação aguda desta já prolongada crise, com a falência dos mais importantes impérios financeiros mundiais – prontamente socorridos pelo estado burguês que os representa – encontra-se superada, o que não significa a superação da crise em si, como tem declarado à exaustão o próprio presidente dos Estados Unidos Barack Obama.
Para os trabalhadores, já há três décadas consecutivas, o que se assiste é ao aprofundamento do desemprego e da precarização das relações de trabalho, com inusitados índices de queda do salário real, como muito bem sabemos os jornalistas mineiros. Horas-extras não pagas, um maldito e nunca bem explicado banco de horas, acúmulo de funções, jornadas duplas e tripas, assédio moral, terceirização – nada disso são males que afligem apenas a nossa categoria, nem que somente atingem os trabalhadores do Brasil. Trata-se de uma estratégia mundial do patronato. De nosso lado, do lado daqueles que vivem do próprio trabalho e do próprio salário, o fantasma do medo da perda do posto de trabalho ronda a classe trabalhadora nos quatro cantos do mundo. Expressão e consequência deste temor, mais que justificado, a apatia e um aparente conformismo de intensidade variável de país para país, mas que se mantêm como elementos dominantes da conjuntura em todo o mundo.
É preciso destacar, contudo, que para a configuração deste quadro de aparente conformismo eterno foi e tem sido decisiva a ação dos aparatos políticos e ideológicos dos patrões, quer diretamente, quer através de seus estados e governos. O assistencialismo abjeto praticado pelo governo brasileiro constitui exemplo de como manter milhões de trabalhadores na miséria – ou mesmo abaixo da linha da miséria, que é a faixa de alcance das demagógicas bolsas-famílias fornecidas pelo atual governo – na ilusão de que estão melhorando de vida. Ao lado disso, as milhares de ONGs, quase todas criminosas, financiadas diretamente pelo patronato e/ou pelo estado, ocultam por trás de suas máscaras de cordeiro uma política vampiresca tão cruel quanto eficaz na despolitização e desmoralização dos trabalhadores.
Fator decisivo para a configuração deste quadro conjuntural foi a derrota imposta pelo imperialismo ao socialismo real. Já no interior crise acima mencionada que emergira ainda na década de 70 do século passado, o capital mundial intensificou e unificou esforços para lançar por terra os estados socialistas europeus, que, fragilizados já por erros históricos, tombaram praticamente sem luta frente à santa cruzada imperialista, que contou com a absolutamente decisiva ajuda de uma Igreja Católica hegemonizada – como ainda hoje – pelo que mais de retrógrado, obscurantista e servil aos poderosos se pôde ver desde os tempos da Inquisição.
II. É no interior deste quadro, complexo, que devemos e podemos pensar a situação do jornalista brasileiro e de sua organização sindical – pontos de partida para o desenvolvimento de toda uma luta em busca de uma perspectiva de nosso futuro profissional e da reconquista da dignidade de nossa profissão. Antes de mais nada, defendemos, é preciso identificar e ter muitíssimo claro que somos, hoje, uma categoria de trabalhadores. Vai longe o tempo em que éramos algo como ‘intelectuais da notícia’. Este tempo foi inelutavelmente enterrado pelos avanços tecnológicos que determinaram um nível de divisão de trabalho que fez de nós uma categoria de trabalhadores da notícia. Isto é o que somos. Trabalhadores. Trabalhadores vítimas da exploração patronal, como todos trabalhadores. Esta é a nossa real identidade. A idéia de que seríamos ‘cidadãos’ a serviço da ‘sociedade’ é descaradamente falsa e maliciosa. A sociedade em que vivemos é uma sociedade burguesa, capitalista, fundada na exploração, na apropriação pelos patrões do fruto do trabalho dos trabalhadores. Não podemos nos colocar a serviço desta sociedade injusta e imoral.
E ao nos identificarmos como trabalhadores nos colocamos inarredavelmente ao lado dos nossos irmãos trabalhadores de todas as categorias. A estes, sim, a estes que vivem do seu trabalho devemos serviço e solidariedade. É na condição de trabalhadores que nos postamos em lugar privilegiado para o combate pela liberdade – pela liberdade de imprensa, inclusive, que nada tem a ver com liberdade das empresas monopolísticas de manipularem a informação a seu bel prazer. E para o combate às injustiças e preconceitos sociais de toda natureza: sexismo, racismo, homofobia e outros males que afligem os trabalhadores no Brasil e no mundo. É a partir da luta contra a exploração patronal que podemos prestar nossa efetiva solidariedade e apoio aos humilhados e ofendidos da Terra.
É fato indiscutível que nós jornalistas pertencemos a uma categoria especial de trabalhadores – aliás, que se registre o óbvio: médicos, pedreiros, dentistas, contabilistas, metalúrgicos, químicos, professores são, todos, pertencentes a categorias tipificadas por particularidades e especificidades. De lado um certo corporativismo tacanho, chovinista e provinciano, temos, sim, que assumir a grave responsabilidade que pesa sobre nossas costas enquanto jornalistas: a particularidades de nos constituirmos em peças-chaves na construção midiática de vontades, quereres e consciências. Não se discute mais, por evidente, a tese de que a sociabilidade midiatizada de há muito suplantou as formas e processos da sociabilidade primária, fundada esta na familia, na escola, na igreja, na vizinhança etc., na criação de opiniões, pontos de vista e posicionamentos ideológicos e políticos.
III. E aqui entra a resposta que pretendemos dar ao questionamento axial proposto pelo tema desta tese: o futuro do jornalismo no Brasil vai depender do futuro que construirmos para os jornalistas do Brasil. Ou seja, é na defesa de nossos direitos e deveres como trabalhadores jornalistas que podemos contribuir – e efetivamente estaremos contribuindo – para a construção de um jornalismo capaz de operar socialmente como instrumento de concretização de um país consciente, justo e feliz. O jornalismo somente será livre no Brasil no dia em que os jornalistas forem livres no Brasil. No dia em que não estiverem sob permanente ameaça de desemprego – como vivemos hoje. No dia em que não estiverem submetidos à vergonha do assédio moral – como vivemos hoje. No dia em que não estiverem sob a opressão de um salário aviltante – como vivemos a imensa maioria dos trabalhadores jornalistas hoje.
Não há dúvida de que o exercício da liberdade no jornalismo pressupõe conhecimento, consciência crítica, o que nos remete para a precariedade do ensino ministrado nas faculdades de jornalismo e comunicação que hoje encontramos a cada esquina no Brasil. Mas quem recorrer à memória da nossa profissão, por experiência própria ou por pesquisa histórica, vai constatar que o nível médio de conhecimento profissional nas redações de fato avançou com a exigência do diploma e a ampliação da oferta de cursos de jornalismo. Há bons cursos de jornalismo no país, em boas universidades. A deterioração do ensino é ampla, geral e irrestrita no Brasil. Só a um obtuso ocorreria extinguir a exigência da formação susperior e do diploma em medicina porque a qualidade do ensino da medicina tem sofrido forte queda no país ultimamente. Aliás, raciocínio semelhante, não igual mas semelhante, ocorreu recentemente a uma meia dúzia de obtusos muito poderosos no país.
Poderosos e abertamente a serviço do patronato dos meios de comunicação. Precisamos tomar como argumento central em defesa da exigência do diploma aquilo que de fato está no centro, mesmo que ocultado por interesses rasteiros, da sua negação: o que se quer, o que os patrões querem, na extinção da exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão é pura e tão somente ampliar ad infinitum a oferta de mão de obra para, com isso, rebaixar mais nossos salários e, automaticamente, aumentar seus lucros. É simples assim. A alegação do fator liberdade de imprensa? Não aceitemos discutir no campo da desonestidade.
IV. Mas é preciso lutar. Liberdade não se ganha, conquista-se com luta consciente. Não será preciso lembrar que não se trata de uma luta de indivíduos, claro. E logo uma pergunta, aguda, se impõe? É possível lutar? A categoria dos jornalistas poderá voltar a lutar por sua dignidade, por sua liberdade? Mesmo com as condições adversas acima apontadas? Resposta: pode. Como? Através de uma profunda mudança em seus instrumentos de luta – fundamentalmente, uma profunda mudança na prática sindical hoje hegemônica no nosso estado e no país. É preciso refundar o sindicalismo no país. No caso específico de nossa categoria, é preciso criar, a partir do sindicato atual, um verdadeiro sindicato de trabalhadores jornalistas. Não podemos atribuir o imobilismo em que vive a categoria aos companheiros jornalistas. Não podemos criminalizar as vítimas. Não podemos exigir consciência e luta se não damos o exemplo da consciência e da luta. É do sindicato que deve partir e iniciativa, o exemplo, o chamado. Se não é assim, o sindicato não tem razão de ser.
É preciso insistir: a política que instrumentaliza a maioria dos sindicatos brasileiros hoje, os de jornalistas incluídos, é uma política imobilista. Institucionalista. Burocrática. “Cidadã”. Sem consciência de classe. Dependente de patrões e de seus governos. Uma política presa e a interesses partidários (eleitorais e eleitoreiros) e por eles pautada. O que precisamos é de um um sindicato independente, autônomo, consciente
V. Sindicato independente, autônomo, consciente. O que significa isso?
1. Independência – Um sindicato que desenvolva uma prática sindical absolutamente independente frente aos patrões e ao estado – este, enquanto empregador e enquanto governo. Um sindicato tem um único e só patrão: a categoria que representa. Um sindicato não conivente com quaisquer intereses do patronato. Não podemos nos negar, é claro, a ir à mesa de negociação, mas sempre conscientes do nosso papel de firmes e severos defensores dos intereses dos trabalhadores. Conscientes, também, de que do outro lado se encontram defensores severos e firmes dos interesses dos patrões. Cabe ao sindicato defender, estimular e fazer presente a idéia de auto-respeito coletivo e individual na categoria frente aos patrões. O patrão estado, para um sindicato que honre sua categoria, é um patrão como qualquer patrão no capitalismo, ou seja, sempre interessado em aprofundar e intensificar a exploração sobre os trabalhadores. Um sindicato que não se venda aos mercadores de benesses estatais.
2. Autonomia – Um sindicato que desenvolva uma prática sindical absolutamente autônoma frente a quaisquer determinações político-partidárias. Consideramos legítima a atividade político-partidária fundada na ética, mas temos que tomar como princípio inarredável da ação sindical o princípío de que cabe somente à categoria decidir o que seu sindicato deve fazer – no curto, médio e longo prazos –, descartado assim qualquer tipo de consulta a qualquer partido, qualquer tipo de autorização de qualquer partido. Este princípio se aplica igualmente a todas as instâncias do próprio movimento sindical: federações, confederações, centrais sindicais. Nossa instância decisória máxima é a assembléia geral da categoria. Nada pode feito que não seja elaborado pela categoria, que não seja aprovado legitimamente pela categoria. Nossa solidariedade à luta política dos trabalhadores não nos autoriza a fazer do categoria e do sindicato meras caixas de ressonância de campanhas e palavras-de-ordem político-partidárias, venham de onde vierem. É a decisão legítima da instância sindical maior – a assembléia geral – que nos dirá o que fazer e o que não fazer. O que deve ser feito pelo sindicato é decidido pel o sindicato, dentro do sindicado.
3. Consciência de classe – Somos trabalhadores e nossa solidariedade primeira é com a classe trabalhadora, nosso primeiro compromisso, enquanto trabalhadores, é com aqueles que, como nós, são vítimas da exploração e opressão patronais. A responsabilidade social de formadores de consciências que pesa sobre nossos ombros não nos coloca à margem da classe trabalhadora brasileira. Assim, deve ser nosso princípio e principal razão de ser luta pelos nossos interesses próprios contra o patronato, consideradas outras práticas que desenvolvamos – campanhas e programas de formação e esclarecimento, por exemplo – como atividades de auxílio direto àquele objetivo, como instrumentos da própria luta.
VI. Confiamos na classe trabalhadora brasileira, confiamos nos jornalistas brasileiros. Mas precisamos ter absolutamente claro que passamos, todos, por uma das piores crises de consciência já registradas em nossa história. A superação do último ciclo ditadorial (1964-85) foi puxada pela locomotiva dos patrões, figurando os trabalhadores como meros vagões. A consciência deste presente nos aponta para a necessidade da reconquista de nosso legítimo lugar de atores protagonistas das lutas sociais no Brasil. Somos parte da classe trabalhadora brasileira, e será somente enquanto trabalhadores que poderemos defender um exercício digno da profissão jornalista. Jornalistas dignos e livres, jornalismo digno e livre.