Coronelismo impera na Rádio Inconfidência

O desrespeito aos jornalistas mineiros parece ter sido uma das heranças preservadas pelo Governo de Minas. Em carta anônima (abaixo), divulgada no dia 31 de agosto, uma comissão denuncia uma série de irregularidades cometidas na atual gestão da Rádio Inconfidência, como autoritarismo, assédio moral e falta de transparência, que instalaram um clima de terror na emissora. 

No documento, a comissão relata ameaças constantes de demissão e preconceito, que forçou um ex-diretor da emissora a pedir afastamento. Isso é assédio moral! O estatuto da Inconfidência é constantemente desrespeitado com contratações irregulares, já que terceirizados estão assumindo ocupações e funções da atividade-fim da rádio.

Há ainda a realização de compras e contratação de serviços sem a realização de licitação, e indícios de tráfico de influência, já que empresas ligadas a pessoas próximas a diretores da rádio estariam sendo beneficiadas. O absurdo é tamanho que até mesmo brindes e correspondências enviados à emissora são submetidos ao “crivo” de um diretor. 

A programação da emissora também está comprometida, pois a nova direção da rádio tem privilegiado o futebol, com a clara intenção de copiar o modelo da Rádio Itatiaia. Antes de tudo, a Inconfidência é uma rádio pública e deve se pautar pelo interesse público. Tão obvio quanto essa afirmativa é saber que poucas são as chances da Inconfidência concorrer com outras rádios, com uma estrutura sucateada.

Os desmandos, autoritarismo e sucateamento de uma emissora pública não é novidade para os jornalistas mineiros. Em 2013, na Rede Minas de Televisão vários programas foram extintos e centenas de jornalistas e radialistas demitidos, com a convocação de um concurso que desrespeita a legislação da categoria. Não podemos permitir que a história se repita. Aos trabalhadores da Inconfidência todo nosso apoio e solidariedade – Oposição Sindical dos Jornalistas de Minas.


Carta semiaberta ao governo estadual, à Secretaria Estadual de Cultura e à classe artística

Em primeiro lugar pedimos desculpas pelo anonimato dessa comissão que vos escreve, mas o medo de retaliações, conforme vocês verão a seguir, nos impede de revelar nossos nomes. Queremos denunciar e alertar sobre uma série de assédios morais, conflitos entre o público e o privado, falta de transparência, corrupções e o processo de “itatiaização” que acontecem atualmente na rádio Inconfidência.

Como muitos sabem, a emissora tem uma história bonita, já revelou para o país profissionais como Clara Nunes, Zacarias e Fernando Vanucci, e já foi comandada, em tempos distintos, por diretores do porte de Murilo Rubião, Jairo Anatólio Lima, Gonzaguinha, Fernando Brant, Claudinê Albertini e Nestor Santana, entre outros. Nossa esperança era de que a nova presidência fizesse uma conexão entre essas épocas áureas com a modernidade, renovasse as frequências AM e FM e as projetasse no cenário mineiro, e ainda valorizasse os funcionários que trabalham há dez anos longe das condições ideais. Mas, infelizmente, nada disso tem se verificado na prática.

Somos cientes dos serviços prestados à sociedade mineira pelo presidente da rádio, Tancredo Naves. Ele, que começou sua carreira como assessor parlamentar de Aécio Cunha, pai do senador Aécio Neves, e que entre outros cargos, ocupou o de secretário de esportes no governo Newton Cardoso. Mas o presidente foi, no mínimo, infeliz, na escolha de seus assessores. Entre eles, na do superintendente institucional, Assad de Almeida, que, inclusive, já foi presidente da emissora, também na gestão Newton Cardoso.

O senhor Assad se utiliza de métodos autoritários que dizem respeito mais à sua outra passagem pela rádio do que ao 15º ano do Terceiro Milênio. Ele implantou um terror velado nos bastidores da empresa e o clima predominante hoje é de medo e incertezas. Ele vive dizendo que a gente não sabe trabalhar, que somos incompetentes, e que enquanto ele estiver à frente da Inconfidência, não haverá concursos, somente contratações. Além disso, fica ameaçando “mandar embora” por qualquer motivo e já perguntou a funcionários se existe jeito de anular o concurso (realizado em 2004, pelo qual ingressaram à rádio mais de uma centena de funcionários – no presente somos cerca de 90).

Além desses, o senhor Assad cometeu um assédio moral gravíssimo especificamente com um diretor da área técnica. O Assad cercou esse ex-diretor em um canto e aos gritos, o chamou de “veado”. “Reage veado, eu estou te desafiando. Você não é homem, não? Reage veado, vem pra cima de mim”. Isso porque esse ex-diretor não havia comprado materiais solicitados pelo Assad. Nesse mesmo momento, o Assad obrigou o ex-diretor a entrar no carro da presidência e eles foram comprar as tais lâmpadas de estúdio. Na ida à loja, no carro, o Assad continuou humilhando o ex-diretor. O episódio teve testemunhas, pois os gritos foram escutados em várias salas e a rádio inteira tem conhecimento do fato. Não mencionamos aqui o nome do ex-diretor para preservá-lo, pois ele teve receio de mover um processo judicial. Mas, claro, logo depois desse incidente o ex-diretor entregou o cargo à presidência da empresa.

Outro ponto sobre o qual queremos chamar a atenção é que o estatuto da rádio e até mesmo as leis vêm sendo desrespeitadas. Virou rotina fazer compras sem processo licitatório. Por exemplo, o diretor administrativo-financeiro da empresa, engenheiro de formação, o senhor Rogério Saldanha, tem comprado sem licitação as passagens e as estadias em hotéis para os integrantes do departamento de esportes, que viajam para transmitir os jogos de Atlético e Cruzeiro em outros estados. As passagens são compradas diretamente das empresas áreas ou através de uma agência de turismo, Rima Turismo, da qual um dos donos é amigo do diretor Rogério Saldanha, que parece ter dificuldade em definir o que é público e o que é privado.

Outro exemplo: a empresa Felicitá Produções e Eventos, cuja proprietária é esposa do senhor Rogério, é uma das apoiadoras do programa Observatório do Esporte, que vai ao ar às segundas-feiras, às 20h, em cadeia na AM e na FM, e é transmitido de restaurantes da cidade. A Felicitá ganha citação no programa e tem sua marca divulgada no site da Inconfidência, como permuta (o que é proibido na rádio, mas sobre esse assunto importantíssimo falaremos logo mais), para realizar o cerimonial do Observatório. O que, diga-se de passagem, é totalmente desnecessário, pois os tais restaurantes já contam com equipes de recepção.

Além disso, o senhor Rogério se auto proclamou responsável por todos os brindes e correspondências que chegam à rádio sem ser por via do correio. Eles são encaminhados ao seu setor para avaliação. Um exemplo: no primeiro mês, o programa Observatório do Esporte recebeu 12 camisas oficiais de Atlético e Cruzeiro, do patrocinador, para sorteio. Duas do Cruzeiro, uma branca e amarela, sumiram, e até hoje não reapareceram e não puderam ser disponibilizadas para sorteio aos ouvintes. Para ilustrar essa dúvida entre o público e o privado que o setor do senhor Rogério tem, um estagiário, admitido diretamente por ele, participou do sorteio de uma camisa do Cruzeiro no Observatório do Esporte, por WhatsApp, mesmo tendo sido alertado que funcionários da rádio não podem tomar parte dos sorteios que são destinados aos ouvintes. Ele se inscreveu com o seu segundo nome e sobrenome e acabou sendo premiado.

Bem, alguém pode questionar que se tratam de valores pequenos financeiramente falando, mas salientamos que o mais importante é combatermos o princípio antes do montante. Por cultura, a corrupção ou o favorecimento a ela começa em microcosmos pequenos da espera pública, mesmo as que funcionam com orçamentos ínfimos, e se alastram por toda a nação até chegar às estatais mais poderosas. Um dos nossos deveres, como empregados públicos, é queixar contra quaisquer adulterações que existam na firma em que trabalhamos.

Mais uma questão importante: de certa forma, a PEC da terceirização já está em vigor na Inconfidência, mesmo ainda estando em tramitação no Senado. É que o presidente da rádio, com anuência do diretor administrativo, realizou mais de 15 contratações para compor o quadro de funcionários da rádio. Eles foram contratados pela MGS, órgão criado no governo Aécio Neves para fornecer funcionários e serviços às diversas empresas do Estado com dispensa de licitação.

Os servidores da MGS teriam de ser contratados para atuar na área de serviços e de administração, mas a presidência utilizou da MGS para criar três diretorias na Inconfidência, o que é terminantemente proibido pelo estatuto da rádio. Além disso, foram contratados jornalistas (atividade-fim da rádio) e corretores comerciais, outras contrariedades ao regimento da Inconfidência.

Frise-se que os contratados foram bem recebidos pelos concursados da rádio, apesar das injustiças. E que alguns deles, não todos, têm o perfil para trabalhar na emissora. Mas, reflitam se não é para destruir qualquer autoestima: você faz um concurso público, trabalha dez anos nessa empresa do governo, sem garantias trabalhistas como tíquete-alimentação, com um plano de saúde que vence a cada dois anos, sem plano de cargos e salários, sem possibilidade de promoção, e vem uma canetada e traz terceirizados para, muitas vezes, desempenhar a mesma função que você, mas com um salário maior e com garantias trabalhistas melhores, como a do vale-alimentação.

A folha mensal da rádio, com os concursados e os 12 cargos comissionados previstos no estatuto, gira em torno de R$ 260.000. A folha dos contratados pela MGS é de R$ 170.000. Ou seja, 40% do gasto mensal da emissora são com os novos contratados, que agora se tornaram 1/6 do quadro da rádio. Gostaríamos de saber se essa é a média de terceirizados nos demais órgãos públicos.

Ressaltamos que a rádio já contava com cerca de dez funcionários cedidos pela MGS, que custavam R$ 30 mil à emissora. Portanto, o contrato da Inconfidência com a MGS aumentou em R$ 140 mil. Sabemos que isso faz parte do investimento do governo na rádio, como ele tem feito em outras empresas que estão defasadas financeiramente. E isso é um bom sinal. Criticamos, acima de tudo, a forma como essas contratações aconteceram. Elas foram, inclusive, desautorizadas pelo departamento jurídico da rádio Inconfidência e também em uma consulta ao Ministério Público.

É claro que a rádio precisa de investimentos, há setores sobrecarregados, já que o concurso expirou em 2008. Então, porque não investir em um novo concurso, ou mesmo em alguma valorização dos funcionários que “dão o sangue” na emissora há dez anos?

Se as contratações tivessem sido pontuais... o problema maior é que o processo foi meio nebuloso. Alguns coordenadores só ficaram sabendo das aquisições de empregados no próprio dia em que os funcionários se apresentaram nos seus setores. Enfim, como tudo ocorreu, nos faz supor que a Inconfidência está sendo aproveitada, como se diz no popular, infelizmente, como “cabide de empregos”.

Um adendo: após dar parecer negativo às contratações e às várias tentativas de compras de produtos e serviços sem licitação por parte da diretoria administrativa, a superintendente jurídica da Inconfidência, Luciana Mansur, chegou a ser informada de que seria demitida. No entanto, resolveram mantê-la em seu cargo. Só que ela não responde mais pelo setor jurídico da rádio, já que no dia 11 de agosto foi nomeado como assessor do presidente o advogado Paulo Sanderson Gil Nunes, que a partir de então é o responsável pela área jurídica da Inconfidência.

Outro ponto muito importante é o processo de “itatiaização” que a Inconfidência sobre no momento. Como vieram do jornalismo esportivo, o presidente e o superintendente institucional têm o setor como prioridade absoluta.

Em primeiro lugar, os jogos de Atlético e Cruzeiro passaram a ser transmitidos pela FM, ocupando em média 12 horas semanais que eram reservadas para programação musical. Além disso, criaram o Observatório do Esporte, que ocupa duas horas na noite de segunda-feira. E já avisaram que irão levar mais programas esportivos para a FM.

Como se não bastasse, interromperam a transmissão de programas emblemáticos como A Hora do Fazendeiro, na AM, durante a semana, para a veiculação, por exemplo, de jogos da Taça BH sub-17. O torneio é tão profissional que, em certa partida, a organização da competição se esqueceu de buscar a delegação do Palmeiras, o que atrasou em mais de uma hora o início da partida. O transtorno foi grande, pois a rádio iria transmitir o jogo e teve de improvisar para não deixar um buraco na programação.

Para ilustrar, o departamento de esportes contava com seis integrantes em dezembro do ano passado. Agora o departamento possui 15. Consideramos o esporte importantíssimo, acreditamos que ele tem de participar da FM, mas com planejamento, não da forma que vem ocorrendo.

Um grande problema é que não existe uma proposta de conteúdo para a rádio por parte da superintendência institucional, que é quem comanda as emissoras, afinal. Nada para recuperar a AM, jogada “às traças” pela última gestão, e nem para modernizar a FM. Não existem projetos por parte dessa cúpula para melhorar na rádio a divulgação da cultura, da arte, da educação, ou mesmo do esporte como promoção de cidadania, que a nosso ver, deveriam ser as principais preocupações desde que eles assumiram, em janeiro, já é que a rádio é uma emissora pública.

Uma analogia sintomática: enquanto a Rede Minas está fazendo uma série documental sobre as Ocupações do Izidoro, a Inconfidência transmitiu com exclusividade o torneio BH sub-17.

Além disso tudo, não se passam 15 dias em que a rádio não receba uma visita de algum profissional que trabalha ou já trabalhou na rádio Itatiaia. É como se apenas os funcionários com o perfil dessa emissora soubessem como se faz rádio em Minas.

Mais uma questão fundamental: a rádio foi inundada de permutas comerciais neste primeiro semestre, sem a entrada de recursos financeiros equivalentes para o caixa da Inconfidência, contrariando o estatuto da rádio e a Lei Federal. Firmas estabelecidas no mercado como concessionárias de veículos ganharam bonificações, descontos, e, em alguns casos, até comerciais gratuitos, numa tentativa de fidelização desses cliente. O diretor comercial, Sérgio Nigri, foi até exonerado, com a justificativa de que ele instituiu essas permutas, apesar de que o presidente e o diretor administrativa estavam cientes desses métodos. O problema é que ele se tornou desafeto do senhor Assad de Almeida após discussões públicas na rádio, e com isso, ele foi exonerado.

No último 8 de agosto, o presidente baixou uma portaria, proibindo permutas e outros comerciais sem a entrada de recursos para a rádio, para atenuar esses antecedentes. Mas podemos assegurar que ainda existem algumas, mesmo sem contrato.

Concluindo, a gente pede mobilização aos artistas, especialmente aos músicos, para se aproximarem da rádio. O diretor artístico da Inconfidência, Elias Santos, foi aclamado no Fórum Permanente da Cultura de Minas Gerais. É raro uma classe conseguir indicar um cargo dessa importância a um órgão do governo. Porém, saibam que a autonomia do Elias na rádio é quase zero. Há alguns meses, a presidência baixou uma portaria afirmando que o jornalismo e o esporte se submetem diretamente ao próprio presidente, tornando nula a função exercida pelo Elias. Até mesmo o programa que o Elias está tentando apresentar na FM sofre boicote do superintendente institucional.

Em resumo, essa carta se destina ao governo estadual, aos seus órgãos, à Secretaria Estadual de Cultural e aos artistas. Acreditamos que o governo não sabe sobre o que se passa na rádio e não concorda com as práticas citadas acima.

Não queremos partidarizar o assunto, mas em dez anos de administração do PSDB, não vimos nada parecido por aqui. Não que a administração anterior não tivesse problemas, eles eram vários. Por exemplo, não foram raras as vezes que a rádio chegou a atrasar dois ou três meses os pagamentos de serviços essenciais como água, luz, telefone, internet. Mas reiteramos que nunca houve nada da ordem do que vem ocorrendo durante esta nova gestão. Estamos decepcionados, assustados e perplexos.

Alguns funcionários são a favor do novo comando porque eles prometeram tíquete-refeição até dezembro. Muitos de nós recebem o salário mínimo ou pouco mais, entendemos que seria um impacto grande pra quem recebe nesta faixa salarial, mas a gente (pelo menos desta comissão) não quer só comida. Queremos dignidade, honestidade e valorização em outros sentidos.

Quanto aos artistas, voltamos a pedir mobilização, antes que a Inconfidência.

tome contornos ainda mais próximos aos dos tempos de “Popularíssima.”

As portas da rádio têm de estar abertas para qualquer verificação necessária. Como destacamos em toda a carta, ela é PÚBLICA.

Comissão de funcionários da Inconfidência

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