Tese para o Encontro de Assessores do SJPMG

A ética e a formação profissional

Resumo da tese para o Encontro de Assessores do SJPMG

Esta tese faz uma articulação entre respeitabilidade profissional e ética profissional, defendendo centralmente o princípio de que a exigência do diploma para o exercício profissional do jornalismo – enquanto expressão jurídica de capacitação teórica e prática institucionalmente atestada – constitui base indispensável para uma prática jornalística eticamente pautada e assim conduzida. E que, portanto, a luta pelo diploma é a tarefa mais urgente que a nós se impõe como categoria de trabalhadores.

I. Introdução

A categoria dos jornalistas profissionais brasileiros vive hoje certamente a pior crise de toda sua história. Está em jogo, simplesmente, a nossa extinção enquanto categoria de trabalhadores. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de extinguir a exigência do diploma para o exercício do jornalismo coloca em risco a própria profissão. É somente a partir da identificação da natureza e da dimensão da crise por que passamos é que podemos criar os consensos necessários ao desenvolvimento de uma luta consequente em defesa da nossa sobrevivência enquanto profissionais da notícia. Este, portanto, é o nosso ponto de partida: a categoria dos jornalistas brasileiros corre risco de extinção.

II. Análise histórico-estrutural

Antes de mais nada, é preciso deixar claras as origens remotas e próximas da decisão do STF. Do ponto de vista histórico-estrutural, o que vitimiza e vai vitimizar toda e qualquer categoria de trabalhadores é o permanente objetivo da classe dos patrões de reduzir ao limite do sustentável nossos salários, de modo a, em razão direta e contrária, aumentar e aumentar seus lucros. Ou entendemos isso, ou vamos permanecer no campo da ingenuidade primária – transformada em verdade eterna pelos porta-vozes diretos e serviçais do patronato – de que seriam complementares os interesses de patrões e empregados, o que apontaria para o campo absurdo de uma conversa ‘civilizada’ o espaço onde deveriam ser superadas nossas divergências. Não. Nossas divergências são estruturais. Nossos interesses, nós só os garantiremos com luta, não com conversas, não com bom-mocismo conciliador.

No nosso caso – o da categoria dos jornalistas –, precisamos deixar de lado de vez a grande mentira de que estaríamos, patrões e empregados, irmanados em uma hipoteticamente generosa missão de bem informar. Chega de ilusão. Os meios de comunicação hoje, em todo o mundo capitalista, são empresas interessadas no lucro. Nós, os jornalistas, somos a mão-de-obra geradora deste lucro, evidentemente apropriado pelo patronato. Informar no capitalismo é apenas um meio de se obter lucro. Se a qualidade da informação dificultar a obtenção de mais e maiores lucros, que, então, se sacrifique a qualidade da informação. Esta, sim, é a verdade geral que deve parametrar nossas reflexões e nossas ações em defesa da categoria.

A decisão do STF, na linha da nossa extinção enquanto categoria profissional, ocorre pois no interior de todo um modo de existência e reprodução do sistema capitalista, fundado na extorsão, na opressão e na exploração. Mais concretamente, o STF não mais que pôs em prática, concretizando-os, os lineamentos gerais em que se baseia toda a ação do Poder Executivo, do governo Luís Inácio da Silva no caso atual, que, por sua vez, é instrumento e agente do grande capital – como todos sabemos. Esta é a causa próxima da decisão da corte maior do país. Observe-se que mesmo no tempo da ditadura a barões da indústria da comunicação conseguiram seu grande objetivo de dispensa da exigência do diploma para o exercício do jornalismo. Mas os patrões não desistiram. E acabaram ganhando uma grande batalha – mas não venceram a guerra, que fiquem sabendo.

III. Formação e dignidade profissional

Falar em ética não é filosofar no abstrato. Falar em ética é referir-se a padrões de comportamento de grupos sociais organizados (toda uma sociedade ou, então, uma categoria profissional) estruturados na comunhão de princípios e capacidades técnico-científicas específicas, cujos membros são portadores de direitos e deveres comuns. Como, portanto, falar em ética jornalística se a própria categoria dos jornalistas encontra-se na iminência de ser dizimada enquanto tal?
E aqui entra – ou volta à cena – a questão da formação universitária para o exercício do jornalismo. Tendo sempre presente que o fator que alicerça e fundamenta o interesse dos patrões em acabar com o diploma é essencialmente a volúpia do lucro maior, tendo sempre isto claro, é que devemos tomar o diploma como comprovação jurídico-institucional de que seu portador é possuidor de conhecimentos científicos e técnicos necessários ao exercício profissional. Ou Comunicação Social não constituiria uma prática social de complexidade conceitual apta a torná-la objeto do saber científico?
Que ninguém se iluda: a burguesia da comunicação quer acabar com a exigência do diploma para, inflacionando o mercado de trabalho, promover um estratégico achatamento salarial na categoria e, com isso, ampliar lucros. Mesmo que isso custe a queda da qualidade da informação. Custe o que custar.
Para a burguesia e seus serviçais não é necessario que os homens tenham consciência daquilo que fazem – este, o fundamento da ética: a consciência do que se faz. Para a burguesia da comunicação social, como para todo e qualquer segmento da classe dos patrões, basta que se cumpram tarefas geradoras do lucro. Basta que se compre. Basta que se consuma. Basta que se drogue. A ética? Ora, isso ficaria por conta da malfadada “mão invisível” do mercado. Mão invisível esta que, na verdade, historicamente só tem fabricado genocídios, guerras, morticínios, fome e miséria. Esta é a ética do capital. Para poucos, luxo e riqueza.
Mas os trabalhadores têm outra ética: a ética do respeito, a ética da solidariedade, a ética do compromisso. E para ser um agente difusor e multiplicador desta ética é preciso conhecer suas razões de fundo. É, portanto, preciso produzir e obter conhecimentos científicos a respeito de como agir como comunicador social, no caso, jornalista. Daí, a necessidade do curso universitário de comunicação social. E daí a exigência do diploma como atestado e garantia de pertencimento a um grupo social teórica e praticamente qualificado para o exercício de uma função social complexa e de enorme responsabilidade na formação de valores, saberes e vontades sociais.
É indiscutível que a enorme maioria dos cursos de comunicação social-jornalismo hoje existentes no país não preenche as exigências de uma formação técnico-teórica capaz de fazer da maioria de seus egressos portadores de uma formação acadêmica suficientemente sólida para sustentar reflexões éticas a respeito das operações que desenvolve na condição de comunciador social. No entanto, é preciso deixar muito claro que a precariedade do ensino universitário no Brasil é comum a todas as áres do saber em que se emprenha a universidade brasileira como um todo. A verdade é que a educação no Brasil vive hoje uma crise de identidade e valores igualmente presente nas demais instituições nacionais, seja no âmbito do estado, seja no campo da chamada sociedade civil. Há hoje no país advogados, engenheiros e médicos igualmente portadores de deficiências prático-teóricas para o exercício de suas profissões. O que fazer, então? Acabar com a exigência do diploma para o exercício da advocacia, da engenharia e da medicina?
É urgente, portanto, uma ampla reforma no sistema educacional brasileiro. E para isso todas pessoas responsáveis devem contribuir, seja diretamente, seja através de cobranças ao poder público. Mas, enquanto categoria de trabalhadores jornalistas, o que nos cabe como prioridade e ação conjunta é a defesa da exigência do diploma como marco concreto da luta permanente pela presença da ética no exercício da nossa profissão.
Não se exerce ética nem se pratica ética em espaços vazios. A ética existe como prática concreta de homens e mulheres concretos. Só poderemos ser agentes de respeito se formos, por suposto, portadores de respeito, portadores de direitos institucional e juridicamente reconhecidos e garantidos. Não podemos nos conformar, por exemplo, com o assédio moral que nos vitima como ocorrência cotidiana nas redações e assessorias. A não exigência do diploma só vai agravar isso. É preciso lutar.
Lutar como, através de que meios? Do nosso ponto de vista uma grave deficiência vem marcando a atuação da maioria dos sindicatos de jornalistas do país: a hegemonia de um princípio estratégico que prioriza as ações institucionais em detrimento das ações diretas contra os patrões – e aqui estamos, sim, falando de greve. Evidentemente, não nos colocamos contra a luta institucional, nos tribunais, na Justiça do Trabalho, em defesa dos intereses da nossa categoria. Mas a nosso juízo se impõe como absoluta urgência o início de um trabalho em nível regional e nacional de preparação de uma greve contra a queda da exigência do diploma. Como base indispensável a uma prática jornalística fundada na ética.

IV. Conclusão

Como conclusão, propomos formalmente que o presente Encontro aprove um indicativo de Greve Nacional pelo Diploma.

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