Tese ao X Congresso Estadual dos Jornalistas de Minas Gerais

Por Um Sindicato Independente, Autônomo e Combativo

1. Na última eleição para a composição da diretoria de nosso sindicato o número total de votantes não chegou a quinhentos. Isso mesmo. Somos mais de dez mil jornalistas profissionais em Minas, mas apenas cerca de 5% (cinco por cento) se dispuseram a colocar voto em urna para escolher seus representantes. As últimas assembléias salariais de nossa categoria não têm conseguido reunir mais que trinta, quarenta pessoas. Não há como negar: nosso sindicato está esvaziado. Em crise portanto.

Refutamos aqui, de princípio e de forma veemente, qualquer tentativa de culpabilizar os trabalhadores jornalistas por esta situação, acusando-os de acomodados e alienados. Tal postura não é séria. Só poderá levar ao imobilismo e à rendição. Estamos seguros de que ninguém em nosso sindicato, nem da diretoria nem da oposição, defende tal posição, mas não é raro ouvi-la da boca de alguns companheiros como justificativa (falsa) para seu próprio acomodamento.

É fato, contudo, que nossa categoria vive um momento de grave crise de falta de consciência sindical, ou seja, a grande maioria dos nossos companheiros ainda se coloca e se vê como alheia à classe trabalhadora. É fato, igualmente, serem poucos os que vêem nos patrões e em seus prepostos aquilo que eles verdadeiramente são: exploradores e inimigos dos trabalhadores jornalistas. Constatada a crise, resta saber por onde começar e o que fazer para superá-la, para construir um caminho de superação nos limites, é claro, das possibilidades conjunturais. Mas a óbvia impossibilidade de colocarmos, hoje, jornalistas às centenas e aos milhares em nossas assembléias não nos autoriza – definitivamente não nos autoriza – a que nos acomodemos diante do dramático esvaziamento presente.

É preciso começar. E começar pela constatação elementar de que sindicato existe é para isso mesmo: despertar a consciência e promover a organização de sua categoria de trabalhadores. Se o sindicato não está disposto a trabalhar para o alcance de tais metas, se acha impossível avançar desde já e agora em direção a estes objetivos, é melhor, então, que feche suas portas.

Que fique bem claro: não se trata aqui de culpabilizar pessoalmente as nossas direções do passado recente ou a do presente. Podemos atestar, e o fazemos aqui, tratar-se de companheiros verdadeiramente empenhados na defesa da nossa categoria. O que questionamos, e também o fazemos desde já, é sua visão equivocada do sindicalismo em geral e do movimento sindical dos jornalistas de maneira específica. O que criticamos é sua visão política incapaz de compreender a verdadeira natureza classista da nossa categoria. O que criticamos é a supervalorização dos caminhos da institucionalidade. Não criticamos pessoas, criticamos idéias e posicionamentos. Não somos oposição a diretorias, somos oposição a uma prática sindical – e a seus fundamentos políticos – estruturalmente incapaz de fazer prevalecer os interesses dos trabalhadores jornalistas de nosso estado.

É preciso, pois, mudar tais posturas. É preciso e possível reerguer a representatividade do nosso sindicato. Vemos neste X Congresso Estadual oportunidade promissora de fincarmos as fundações da mudança. Neste sentido, apresentamos esta tese à apreciação dos companheiros congressistas e à categoria como um todo. E submetemos à avaliação e votação as propostas alinhadas ao final da mesma.

2. A crise de representatividade por que passa o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Minas Gerais se insere no quadro maior da crise geral que afeta o sindicalismo brasileiro, uma crise determinada essencialmente por dois fatores. De um lado, no campo das razões objetivas, é facilmente identificável na política neoliberal de precarização das relações de trabalho, posta em prática pelo capital em âmbito mundial, causa inegável de desestímulo à organização e à luta dos trabalhadores, dada a permanente ameaça do desemprego.

É preciso que se enfatize aqui este ponto fundamental. Tal política neoliberal de achatamento direto e indireto do salário do trabalhador – de intensificação direta da opressão e da exploração sobre aqueles que vivem de seu trabalho pelos parasitas donos do capital – precisa, como toda política, de agentes, de pessoas organizadas em torno do poder para colocá-la em prática. Como sabemos, com a queda da ditadura não caiu o processo de aprofundamento da exploração que vitima historicamente o trabalhador brasileiro. Pelo contrário, houve uma intensificação. De lado o período de acomodação conservadora do governo Sarney, foi Fernando Collor de Mello que desencadeou o processo de institucionalização da política neoliberal, anti-trabalhador, no país. Fernando Henrique consolidou-a. Luís Inácio Lula da Silva a aprofundou, legitimando-a frente aos próprios trabalhadores. Que fique então clara a posição desta tese: Lula e seu governo são inimigos da classe trabalhadora brasileira, Lula e seu governo são inimigos dos jornalistas portanto.

Mas este é apenas um dos dois principais fatores da crise que esvaziam nossos sindicatos e desmobilizam os trabalhadores. O outro fator, este de ordem subjetiva, é a natureza absolutamente equivocada do sindicalismo praticado no país a partir da queda da ditadura 1964-85. Estamos falando de uma prática sindical que perdeu de vista sua razão de ser: a defesa das reivindicações concretas dos trabalhadores. Estamos falando de um sindicalismo que coloca objetivos político-partidários – eleitorais ou revolucionários, não faz diferença aqui – acima e à frente dos interesses específicos, imediatos e concretos da categoria que representa. É este modelo que consideramos materializado, hoje, no nosso sindicato.

É evidente que não estamos defendendo um sindicalismo apolítico. Se por ação ou omissão governamental um interesse concreto dos trabalhadores jornalistas for ameaçado ou afetado temos que travar um combate político – observadas as condições de consciência e capacidade de mobilização e luta da categoria que só podem ser alcançadas a partir da ação de conscientização, mobilização e organização a ser desenvolvida obrigatoriamente pelo sindicato como sua responsabilidade primeira e razão de sua existência.

Também não somos contrários à atuação de militantes políticos – organizados partidariamente ou não – no sindicato, inclusive com participação nas direções sindicais. Esta seria uma posição do inteiro agrado dos patrões, da direita em geral. É preciso que isso fique bem claro. Mas hoje é preciso que fique mais claro ainda que o sindicato não pode ser sucursal de nenhum partido ou grupo político. Sindicato e partido representam níveis diferentes de consciência dos trabalhadores, e devem, por isso mesmo, constituir práticas e estruturas diferentes.

O abandono, por esperteza ou ingenuidade, da natureza essencial de um sindicalismo digno deste nome – organização e conscientização para a luta da categoria que representa em torno de seus interesses reais e concretos – fatalmente conduzirá, como tem conduzido, ao distanciamento ou mesmo abandono dos trabalhadores do seu sindicato, ao esvaziamento, a assembléias vazias, a congressos de cartas marcadas, formais, inócuos.

Abandonada, pois, a perspectiva de um sindicalismo independente e representativo, o sindicato – qualquer sindicato – vai descambar para a priorização de práticas estranhas à mencionada razão de ser (organizar e incentivar os trabalhadores para a luta contra a exploração e opressão patronal, econômica e/ou política), colhendo como resultado de tal distorção: ou sua transformação em um falso partido revolucionário a tentar inútil e desesperadamente mobilizar os trabalhadores de sua base para bandeiras alheias ao cotidiano concreto destes trabalhadores, ou, então, sua transformação em linha auxiliar de partidos eleitorais, em “sindicato cidadão” – centrado em campanhas e atividades academicistas e assistencialistas.

Temos clara consciência de que nós jornalistas constituímos um tipo especial de trabalhador: formamos opiniões, consciências, ideologia. Isso, sem dúvida, nos obriga a um rigor maior no campo da ética e do compromisso social exigido de todo trabalhador. Mas que fique claro: antes de tudo e principalmente, somos trabalhadores e – na condição de membros da classe dos trabalhadores – precisamos de um sindicato que, partindo desta condição, faça da luta contra o patronato o eixo de sua ação.

Constituem, pois, nossos princípios fundamentais:

a. Independência – Desenvolvimento de uma prática sindical absolutamente independente frente aos patrões e ao estado – este, enquanto empregador e enquanto governo. Um sindicato tem um único e só patrão: a categoria que representa. É inconveniente, inadequada e, mesmo, imoral a tal convivência amistosa e civilizada entre patrões e empregados. O nome disso é conivência. Não nos negamos, é claro, a ir à mesa de negociação, mas sempre conscientes do nosso papel de firmes e severos defensores dos interesses dos trabalhadores. Conscientes, também, de que do outro lado se encontram defensores severos e firmes dos interesses dos patrões. Cabe ao sindicato defender, estimular e fazer presente a idéia de auto-respeito coletivo e individual na categoria frente aos patrões. O patrão estado, para um sindicato que honre sua categoria, é um patrão como qualquer patrão no capitalismo, ou seja, sempre interessado em aprofundar e intensificar a exploração sobre os trabalhadores. Não nos venderemos – e este é um compromisso formal e solene – aos mercadores de benesses estatais.

b. Autonomia – Desenvolvimento de uma prática sindical absolutamente autônoma frente a quaisquer determinações político-partidárias. Consideramos legítima a atividade político-partidária fundada na ética, mas tomamos como princípio inarredável de nossa ação sindical o princípio de que cabe somente à categoria decidir o que seu sindicato deve fazer – no curto, médio e longo prazo –, descartado assim qualquer tipo de consulta a qualquer partido, qualquer tipo de autorização de qualquer partido. Este princípio se aplica igualmente a todas as instâncias do próprio movimento sindical: federações, confederações, centrais sindicais. Nossa instância decisória máxima, repetimos, é a assembléia geral da categoria. Nada será feito que não seja elaborado pela categoria, que não seja aprovado legitimamente pela categoria. Nossa solidariedade à luta política dos trabalhadores não nos autoriza a fazer da categoria e do sindicato meras caixas de ressonância de campanhas e palavras-de-ordem político-partidárias, venham de onde vierem. É decisão legítima de nossa instância maior – a assembléia geral – que nos dirá o que fazer e o que não fazer. O que deve ser feito pelo sindicato é decidido pelo sindicato, dentro do sindicado.

c. Consciência de classe – Somos trabalhadores e nossa solidariedade primeira é com a classe trabalhadora, nosso primeiro compromisso, enquanto trabalhadores, é com aqueles que, como nós, são vítimas da exploração e opressão patronais. A responsabilidade social de formadores de consciências que pesa sobre nossos ombros não nos coloca à margem da classe trabalhadora brasileira. Assim, é nosso princípio e principal razão de nossa existência como sindicato a luta contra o patronato, considerada outras práticas que desenvolvamos – campanhas e programas de formação e esclarecimento, por exemplo – como atividades de auxílio direto àquele objetivo, como instrumentos da própria luta.

Como órgão de representação e luta de todos os jornalistas de Minas Gerais, nosso sindicato não pode configurar-se como uma esdrúxula “federação de corporações de ofício”, como acontece hoje. Trabalhadores na área do jornalismo impresso, de rádio, cinematográfico ou fotográfico, somos todos jornalistas. É também para isso que existe sindicato, para unificar uma categoria. Não podemos aceitar padrões salariais diferenciados para estas funções, nem negociações separadas. Se os patrões se dividem para nos dividir, não podemos compactuar com tal arapuca fundada em esperteza rasteira. Nossa força está na nossa união – esta é uma velha verdade, e os patrões também sabem disso. Temos que trabalhar para mudar isso, temos que lutar contra isso.

Temos, pois, que estreitar a distância hoje existente entre o nosso sindicato e a categoria. Somos hoje mais de dez mil jornalistas em Minas, com apenas cerca de três mil sindicalizados, dos quais somente cerca de mil em dia. Como ampliar o quadro de associados? Uma medida imediata, sem ônus significativo para a entidade, será a dispensa de pagamento de anuidade no primeiro ano de sindicalização. Ainda nesta linha, os estudantes dos dois últimos anos de Jornalismo que se associem provisoriamente devem ser dispensados de anuidade. Estabelecer nexos concretos entre os futuros jornalistas e os atuais jornalistas e seu sindicato é pressuposto do crescimento e fortalecimento contínuo que queremos para este sindicato.

E aqui entra a questão do diploma. Esta tese defende firmemente a necessidade do diploma superior em Jornalismo para o exercício da profissão. Como dissemos acima, temos clara consciência do nosso papel e responsabilidades na formação de consensos sociais. No entanto, o dado mais importante a ser observado na desobrigação da exigência do diploma – defendida com unhas e dentes pelos sempre vorazes patrões – é que isto resultaria inelutavelmente no enfraquecimento e fracionamento da categoria. Sem a exigência do diploma, estaria aberto o caminho para um alargamento ainda maior do compadrio reinante em nosso meio, para apadrinhamentos e troca de favores. E, fundamental e principalmente, a ampliação ao infinito do mercado de mão-de-obra resultaria de forma fatal e incontornável em um achatamento estrutural de nossos salários. Será que é preciso dizer, pela milésima vez, que jornalista hoje é um trabalhador, especializado mas fundamentalmente um trabalhador, detentor de conhecimentos e executor de funções específicas? O diploma concretiza tudo isso. Se temos muitas faculdades de Jornalismo, a grande maioria delas oferecendo um ensino de péssima qualidade, verdadeiros valhacoutos de picaretas do ensino – isto é outro problema, igualmente a ser enfrentado e combatido firmemente por nosso sindicato. Mas não vamos cair na armadilha diversionista dos patrões. Não vamos confundir as coisas.

Outra questão que consideramos decisiva para o fortalecimento do nosso sindicato é a que se refere às eleições para a diretoria do sindicato. Defendemos aqui a extensão do direito de voto a todos os jornalistas do estado no exercício da profissão. Está seguramente na ausência deste direito um dos mais importantes fatores do abismo existente hoje entre o sindicato e a categoria. A estrutura existente, herdada da legislação protofascista do Estado Novo, acaba por configurar o sindicato em uma estranha espécie de corporação de ofício ou um clube especial no interior da categoria. É preciso que cada jornalista se sinta responsável e responsabilizado pela ação de seus líderes escolhidos para dirigir sua categoria. Não votamos todos – sindicalizados ou não – nas assembléias sindicais salariais? Não nos esqueçamos: a defesa do salário é o alicerce maior da construção e existência de um sindicato. Sem tal principalidade, qualquer associação pode ser qualquer coisa, menos sindicato.

3. Sintetizando nossas principais propostas:

a. Isenção de anuidade no primeiro ano de sindicalização.

b. Isenção de anuidade para sindicalização provisória de estudantes dos dois últimos períodos do curso de Jornalismo.

c. Voto universal para a diretoria do sindicato, ou seja, concessão a todos os jornalistas em atividade, sindicalizados ou não, o direito de voto nas eleições para sua diretoria.

d. Defesa intransigente da exigência do diploma para o exercício da profissão.

e. Campanha salarial unificada para toda a categoria, ou seja, a mesma campanha para profissionais das áreas de jornalismo impresso, de rádio jornalismo, de repórteres cinematográficos e fotográficos. O mesmo padrão salarial (piso, reajustes, adiantamentos, abonos etc.) para todos os jornalistas destes segmentos.

É, portanto, tomando as premissas da independência, da autonomia e da consciência de classe como princípios e fundamentos de nossa atuação sindical, que a Oposição Sindical no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Minas Gerais apresenta as reflexões e propostas acima à consideração dos companheiros congressistas.

Belo Horizonte, 14 de julho de 2008.

Assinam essa tese: Adriano Boaventura Cruz, Leovegildo Pereira Leal, Pedro Henrique Blank Menegassi, José Augusto da Silveira Filho, Murilo Rocha Barbosa, Daniel Hamer Drumond, Felipe Castanheira Guilherme, Getúlio Neuremberg de Faria Távora, Frederico Andrade Wanderley, Camila Silva Riani, Paulo Emílio Torga Bellardini, Kátia Viviane Gonçalves Primo, Luciana de Souza Pinheiro, Sabrina Braga Gonçalves Bellardini, Magí Cristina Mappa, Fernando Albuquerque Miranda, João Carlos Moraes Perdigão, Júnia Carvalho, Luiza de Sá, Tiago Haddad e Mário Lúcio.

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